Tantos e tantos escritores!
Agustina Bessa-Luís
Dentes de Rato
19 – Quando
foi a última vez que chorou? Porquê?
Uma
vez o barbeiro também cortou o cabelo de Lourença e, quando acabou, fez com que
ela se visse no grande espelho da sala de jantar. Pegou nela ao colo e apontou
para o espelho.
-
Parece um rapazinho – disse ele.
Isto
afligiu tanto Lourença que começou a chorar. Chorava tanto que acudiu toda a
gente da casa. Uns riam-se, outros tratavam de a consolar; mas Lourença estava
desesperada. Acreditava que estava mudada em rapaz e que perdera os braços, as
pernas, a cara de menina. Era um grande desastre, e não se podia conformar.
(Sobre
Lourença, protagonista de Dentes de Rato)
Alice Vieira
Leandro, Rei de Helíria
Rosa, minha irmã Rosa
Chocolate à chuva
24 - Perdoa
com facilidade?
REI:
Poderás perdoar-me, minha filha? Agora sou eu que te digo: quero-te mais que à
luz dos meus olhos. Aprendi a passar sem ela, mas nunca aprendi a passar sem a
tua lembrança. No mais fundo de mim, o teu rosto estava sempre gravado: a tua
pele branca como marfim, o teu sorriso com a doçura do mel. Não preciso de
olhos para te ver.
(…)
VIOLETA:
Vinde, meu pai, vou guiar-vos pelo meu reino que, a partir de agora, também
será o vosso. Esqueceremos tudo o que ficou para trás. Como se tivesse sido um
pesadelo.
(Rei
e Violeta, personagens de Leandro, Rei de
Helíria)
Alves Redol
A vida mágica da Sementinha
E agora tudo parece possível.
32 – O que é
para si o progresso e o que espera dele?
A
civilização habituou-se a viajar de avião: todos os dias a Ciência a leva mais
depressa. E caminharemos sempre com ela na companhia de novos trigos, trigos
vedetas, como as do cinema e do teatro, que têm nomes célebres, histórias da
sua vida, retratos nos jornais, e vão chegar a toda a parte, mesmo àquelas
terras áridas e secas como os desertos.
(…)
Trigos
que impõem a mecanização e já se não compadecem do progresso rotineiro da
azenha e do moinho, obrigando que o moam em fábricas poderosas, onde o
aproveitam para mil fins. Trigos que pedem padarias eletrificadas, onde as mãos
não tocam na farinha, e em que só uma fábrica dessas é capaz de alimentar
Lisboa.
É
verdadeiramente o pão do progresso, que só não exige que o comam com o suor do
rosto.
António Mota
Pedro Alecrim
31 – O que é
que o dinheiro representa para si?
-
Ó Alecrim, não queres ficar rico?
Claro
que essa pergunta não tem resposta. Quem me dera!
-
Tenho andado a pensar e acho que com alguma sorte podemos ser ricos! Bem, não
pode ser já, ainda temos de esperar algum tempo. Se tu quisesses, fazíamos uma
sociedade… É que para ficarmos milionários temos de gastar algum dinheiro…
Eu
não estava a perceber nada, mas agradava-me ouvir aquela estranha conversa.
(Pedro Alecrim, personagem e narrador de Pedro
Alecrim)
António Ramos Rosa
«Não posso adiar o amor para
outro século»
«Para um amigo tenho sempre
um relógio»
17 – O que é
para si o amor? Considera que dá e recebe amor suficiente?
Não
posso adiar o amor para outro século
não
posso
ainda
que o grito sufoque na garganta
ainda
que o ódio estale e crepite e arda
sob
as montanhas cinzentas
e
montanhas cinzentas
(poema
«Não posso adiar o amor para outro século»)
Eça de Queirós
«A aia»
«O suave milagre»
«Civilização»
28 – O que
significa para si a natureza?
A
grandeza era tanta como a graça… Dizer os vales fofos de verdura, os bosques
quase sacros, os pomares cheirosos e em flor, a frescura das águas cantantes,
as ermidinhas branqueando nos altos, as rochas musgosas, o ar de uma doçura de
Paraíso, toda a majestade e toda a lindeza – não é para mim, homem de pequena
arte. Nem creio mesmo que fosse para mestre Horácio. Quem pode dizer a beleza
das coisas, tão simples e inexprimível? Jacinto adiante, na égua tarda,
murmurava:
-
Ah! Que beleza!
Eu
atrás, no burro, com as pernas bambas, murmurava:
-
Ah! Que beleza!
(narrador
de «Civilização», in Contos)
Florbela Espanca
«Amar!»
17 – O que é
para si o amor? Considera que dá e recebe amor suficiente?
Eu
quero amar, amar perdidamente!
Amar
só por amar: Aqui… além…
Mais
Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
(Florbela Espanca, «Amar» in Sonetos)
Ilse Losa
O Príncipe Nabo
O mundo em que vivi
12 – O que
sonhava em criança?
Esperei
um ano pela Boneca-Mais-Linda-Do-Mundo, que seria a minha filha. E sempre que
nela pensava enchia-me de alegria. (Rose, personagem e narradora de O mundo em que vivi)
John Steinbeck
A pérola
3 – O que é
que a família representa para si?
Kino
ouviu o ranger da corda quando Juana retirou Coyotito do caixote suspenso, o
lavou e o embrulhou no seu xaile, atando-o bem aconchegado ao peito. Kino podia
ver todas estas coisas sem olhar para ela. Juana cantarolava uma canção antiga
que tinha apenas três notas, mas uma infinita variedade de intervalos. E aquilo
também fazia parte da Canção da Família.
Tudo fazia parte dela. Por vezes crescia num tom que fazia doer e embargava a
garganta, dizendo-lhe que aquilo era segurança, aquilo era calor, aquilo era Tudo.
5 – Em que
medida ter educação e saber ler e escrever é importante?
-
O meu filho há de ir à escola – disse, e fez-se silêncio entre os vizinhos.
Juana conteve a respiração. Os seus olhos brilhavam ao fitá-lo, e baixou
rapidamente o olhar para Coyotito, para ver se aquilo seria possível.
Mas
a profecia brilhava no rosto de Kino.
-
O meu filho há de ler e abrir os livros, o meu filho há de escrever e conhecer
a escrita. E o meu filho há de saber números e essas coisas hão de
libertar-nos, porque ele há de saber, há de saber e nós havemos de saber
através dele.
E
na pérola, Kino viu-se a si próprio e a Juana acocorados junto do fogo, dentro
da cabana, enquanto Coyotito lia um grande livro.
31 – O que é
que o dinheiro representa para si?
E
Juan Tomás, que estava acocorado à direita de Kino, porque era seu irmão,
perguntou:
-
Que vais fazer, agora que és um homem rico?
Kino
olhou para a sua pérola e Juana baixou as pálpebras e cobriu o rosto com o
xaile para que ninguém pudesse ver a sua excitação e, na superfície
incandescente da pérola, surgiam as coisas que Kino tinha desejado no passado e
pusera de parte como impossíveis. Na pérola, viu Juana e Coyotito e ele próprio
a ajoelharem junto do altar-mor, para se casarem, agora que já podiam pagar.
Disse em voz baixa:
-
Vamos casar-nos… na igreja.
Luís de Camões
«Endechas a Bárbara escrava»
«Descalça vai para a fonte»
«Os bons vi sempre passar»
«Alma minha, gentil, que te
partiste»
«Amor é fogo que arde sem se
ver»
«Aquela triste e leda
madrugada»
«Busque amor novas artes,
novo engenho»
«Erros meus, má fortuna, amor
ardente»
«O céu, a terra, o vento
sossegado»
«Quando de minhas lágrimas, a
comprida imaginação»
Os Lusíadas
10 - Qual é o
seu maior medo? O que é que mais o assusta?
Não
acabava, quando ~ua figura
Se
nos mostra no ar, robusta e válida,
De
disforme e grandíssima estatura;
O
rosto carregado, a barba esquálida,
Os
olhos encovados, e a postura
Medonha
e má, e a cor terrena e pálida;
Cheios
de terra e crespos os cabelos,
A
boca negra, os dentes amarelos.
Tão
grande era de membros que bem posso
Certificar-te
que este era o segundo
De
Rodes estranhíssimo Colosso,
Que
um dos sete milagres foi do mundo.
C’um
tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que
pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se
as carnes e o cabelo,
A
mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
(Narração
de Vasco da Gama, in Os Lusíadas, Canto
V, est. 39 e 40)
11 – O mundo
é justo?
Os
bons vi sempre passar
No
mundo graves tormentos
E
para mais me espantar
Os
maus vi sempre nadar
Em
mar de contentamentos.
(in
Rimas)
Luís Sepúlveda
História de uma gaivota e do
gato que a ensinou a voar
30 – A sua
vida é afetada pelas alterações climáticas?
Kengah
estendeu as asas para levantar voo, mas a espessa onda foi mais rápida e
cobriu-a inteiramente. Quando veio ao de cima, a luz do dia havia desaparecido
e, depois de sacudir a cabeça energicamente, compreendeu que a maldição dos
mares lhe obscurecia a visão.
Kengah,
a gaivota de penas cor de prata, mergulhou várias vezes a cabeça, até que uns
clarões lhe chegaram às pupilas cobertas de petróleo. A mancha viscosa, a peste
negra, colava-lhe as asas ao corpo, e por isso começou a mexer as patas na
esperança de nadar rapidamente e sair do centro da maré negra.
Com
todos os músculos contraídos pelo esforço, chegou por fim ao limite da mancha
de petróleo e ao fresco contacto com a água limpa. Quando, de tanto pestanejar
e mergulhar a cabeça, conseguiu limpar os olhos, olhou para o céu e não viu
mais que algumas nuvens que se interpunham entre o mar e a imensidade da
abóbada celeste. As suas companheiras do bando do Farol da Areia Vermelha já
voariam longe, muito longe.
Era
a lei. Também ela vira outras gaivotas surpreendidas pelas mortíferas marés
negras e, apesar da vontade de descer para lhes oferecer um auxílio tão inútil
como impossível, afastara-se, respeitando a lei que proíbe presenciar a morte
das companheiras.
De
asas imobilizadas, coladas ao corpo, as gaivotas eram presas fáceis para os
grandes peixes, morriam lentamente, asfixiadas pelo petróleo que, metendo-se
entre as penas, lhes tapava os poros.
(Sobre
a gaivota Kengah, que foi apanhada por uma maré negra)
Luísa Costa Gomes
A Pirata Vanessa vai à luta
3 – O que é
que a família representa para si?
VANESSA está na sala (…). Finge estar a escrever
uma carta.
VANESSA Querida
Mana (risca), Querido Mano (risca), Querida Coisa, cá estou outra
vez a escrever-te a fingir, porque ainda não sei umas quantas letras e ainda
falta uma semana para eu fazer sete anos. Vou ter uma festa com todos os meus
amigos da escola e de fora da escola, as prendas é que vão ser uma porcaria,
bom, mas não era disto que eu te queria falar. (Risca) Estive a pensar melhor no que te disse da outra vez e acho
que o melhor é vires como rapariga, se ainda fores a tempo de escolher. Vais
ver como é fixe ser rapariga. Para já és muito mais linda que um rapaz. Tens uma
pele muito rosadinha e quando fores crescida não precisas de fazer a barba e
não picas na cara quando dás beijinhos. Depois vais ter montes de bonecas
fixes, barbies e assim, e vais-te divertir bué a ajudar a mãe a limpar a loiça
e a fazer as camas e outras coisas maravilhosas e também podes fazer o almoço e
o jantar quando fores mais crescida, não é fantástico? Portanto, olha que o que
eu te digo é verdade. Vem como rapariga, por favor, para ver se param de me
chatear. Assim, se vieres de rapariga, já têm com que se entreter. (Pausa) Obrigada. Beijinhos da Vanessa.
(Fala
de Vanessa, protagonista de Vanessa vai à
luta)
Sophia de Mello Breyner
A Fada Oriana
O Rapaz de Bronze
O Cavaleiro da Dinamarca
Primeiro livro de poesia
«Saga»
«As pessoas sensíveis»
«Meditação do Duque de Gandia
sobre a morte de Isabel de Portugal»
«Porque»
«Camões e a tença»
40 – Sabe
alguma oração? Pode dizê-la?
«Rezou
muito, nessa noite, o Cavaleiro. Rezou pelo fim das misérias e das guerras,
rezou pela paz e pela alegria do mundo. Pediu a Deus que o fizesse um homem de
boa vontade, um homem de vontade clara e direita, capaz de amar os outros. E
pediu também aos Anjos que o protegessem e guiassem na viagem de regresso, para
que, daí a um ano, ele pudesse celebrar o Natal na sua casa com os seus.»
(Sobre o Cavaleiro, personagem de O
Cavaleiro da Dinamarca)
18 – Qual foi
a última coisa que o fez dar uma gargalhada?
E, enquanto assim estava deitado, com a cara encostada às algas,
aconteceu de repente uma coisa extraordinária: ouviu uma gargalhada muito
esquisita, parecia um pouco uma gargalhada de ópera dada por uma voz de
«baixo»; depois ouviu uma segunda gargalhada ainda mais esquisita, uma
gargalhada
pequenina, seca, que parecia uma tosse; em seguida uma terceira
gargalhada, que era como se alguém dentro de água fizesse «glu, glu». Mas o
mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana,
mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele
nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a água ou o vidro se
rissem.
Com muito cuidado para não fazer barulho levantou-se e pôs-se a
espreitar escondido entre duas pedras. E viu um grande polvo a rir, um
caranguejo a rir, um peixe a rir e uma menina muito pequenina a rir também. A
menina, que devia medir um palmo de altura, tinha cabelos verdes, olhos roxos e
um vestido
feito de algas encarnadas. E estavam os quatro numa poça de água muito
limpa e transparente toda rodeada de anémonas. E nadavam e riam.
- Oh! Oh! Oh! - ria o polvo.
- Que! Que! Que! - ria o caranguejo.
- Glu! Glu! Glu! - ria o peixe.
Ah! Ah! Ah! - ria a menina.
Teolinda Gersão
«Avó e neto contra vento e
areia»
3 – O que é
que a família representa para si?
Não
tinha medo de nada, mas, apesar disso, gostava de sentir o olhar da avó. De vez
em quando voltava a cabeça, para ver se ela lá estava sentada, a olhar para
ele. Depois esquecia-se dela e voltava a ser o rei do mundo.
Por isso
se sentiam tão bem um com o outro.
Quando
saía com o neto, a avó tinha a sensação de entrar para dentro de fotografias,
tiradas nos mesmos lugares, muitos anos antes. Era uma sensação de
deslumbramento e de absoluta segurança, porque as coisas boas já vividas
ninguém as podia mudar: eram instantes absolutos, que durariam para sempre.
Outras vezes a avó pensava que a vida
era como uma lição já tão sabida, tão aprendida de cor e salteada, que ela se
sentia verdadeiramente mestra. Mestra em quê? Ora, em tudo e em nada:
nascimento, morte, amor, filhos, netos, tudo, enfim. A avó tinha a sensação de
entender o mundo.
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